Na natureza todas as espécies são importantes e não devemos nunca procurar exterminar nenhuma delas, por mais que ela nos possa parecer detestável no momento.
José Lutzenberger (1972)
Desde milênios, desde que inventou a agricultura – um passo muito série e talvez falta na história da evolução orgânica – o homem vem enfrentando os problemas das enfermidade e pragas ou parasitas das plantas e animais domésticos. Para citar apenas um caso extremo, basta lembrar a grande fome na Irlanda no século XVIII, quando a Phytophtera acabou com as lavouras de batata, causando a morte por inanição de uma quarta parte da população do país e obrigando outra quarta parte a emigrar. A população da Irlanda ficou reduzida à metade. Em menor escala, quem, entre os que apreciam seu jardim, ainda não se incomodou com a saúva, pulgões e lesmas ou com enfermidades criptogâmicas.
Além dos adubos químicos, o agricultor moderno, para resolver seus problemas, tem a sua disposição todo um arsenal de venenos químicos os mais diversos e mais potentes, os assim chamados produtos fitossanitários, pesticidas, defensivas ou corretivos: inseticidas, acaricidas, nematicidas, rodenticidas, molusquicidas, repelentes, fumigantes, desinfetantes, fungicidas, antibióticos, herbicidas, defoliantes, alguicidas e alguns mais.
Entretanto, quem observa a natureza intacta, quem observa um bosque virgem ou qualquer outro sistema natural em situação de clímax ou mesmo a caminho do clímax: tundra, chaparral, savana, cerrado, caatinga, deserto ou banhadal, os llanos da Venezuela ou os campos nativos do Rio Grande do Sul, um recife de corais em mares tropicais, um rio em plena selva, certas micro comunidades bióticas como as comunidades epífitas de nossas velhas figueiras, as pequenas comunidades epífitas dos chapadões e paredões dos cerros e montanhas ou as associações de organismos de uma rocha de praia de mar assim como uma infinidade de outros sistemas terrestres ou aquáticos, quem observa tudo isto de olhos abertos, notará logo que em toda a parte estão presentes organismos que costumamos classificar de patogênicos ou de pragas e, no entanto, são raríssimos os casos de catástrofes como as que podemos tantas vezes observar em nossas lavouras e jardins. Quando realmente sucedem estragos sérios, são sempre localizados e passageiros.
O estudo dos sistemas naturais nos mostra que quanto mais complexo um sistema, quanto maior o número de espécies na comunidade, tanto mais estável; quanto mais simples, tanto mais vulnerável o sistema. A tundra é mais vulnerável que o bosque pluvial tropical, a comunidade marinha da costa da Islândia mais do que o grande recife da Austrália.
Naturalmente, devemos sempre abstrair dos estragos que sabe causar o homem. Contra o fogo e a terraplanagem não há defesa. Assim mesmo, se a selva amazônica fosse como as florestas canadenses, talvez já teria desparecido há muito tempo.
Mas também os sistemas relativamente simples, como a tundra, não apresentam problemas comparáveis aos que encontramos em nossa agricultura. Porque apesar de relativamente simples, estes sistemas são incrivelmente velhos e todos os organismos ali presentes tiverem um tempo infinito para ajustar-se mutuamente em equilíbrio dinâmico permanentes. As comunidades naturais são sempre estáveis, enquanto nossos cultivos, uma vez desaparecida a mão do homem, em mais ou menos tempo, desaparecem sem deixar vestígio.
Não comente os sistemas que o homem procura estabelecer são tremendamente simples comparados com a natureza intacta, mas também insistimos em transplantar organismos a condições muito diferentes das em que as originaram. A batata, em seu habitat natural, nos Andes, se adapta a um grande número de condições ambientais diferentes. Existe até uma variedade epífita, mas nenhuma destas formas nativas vive em condições que se comparam de longe com as de uma moderna lavoura de batatas, como as que se podem ver na Holanda, p. ex.
Os geneticistas, quando selecionam as fabulosas variedade que hoje cultivamos, fazem uma seleção unilateral, simples. Visam o máximo de produção e um aspecto comercialmente atrativo, muitas vezes em detrimento da qualidade alimentícia, e mal tomam em conta os fatores ecológicos. Já na própria estação genética as linhas em seleção recebem doses maciças de adubos químicos e são submetidas a chuvas de pesticidas violentos. Já são selecionadas para condições artificiais.
Além disso, muitas das pragas são também organismos introduzidos. Nas condições em que se encontram nas lavouras quase sempre faltam seus inimigos naturais que as mantinham sob controle em seus habitat original.
Não deve, portanto admirar, se em nossos sistemas super simplificados surgem dificuldades que não aparecem na Natureza intata, dificuldades estas que aumentam na mesma proporção em que “modernizamos” nossos cultivos. Enquanto o agricultor ainda estava bastante próximo da natureza, como era o caso nas agriculturas europeias e asiáticas até pouco antes da atual “revolução verde”, ele mais ou menos se defendia sem adubos químicos e sem os venenos sintéticos de combate às pragas e conseguia, assim mesmo, obter rendimentos constantes, as vezes bastante altos, com plantas e animais relativamente sãos e de elevado valor nutritivo.
A medida, porém, que a agricultura se moderniza, com a mecanização que conduz à monocultura em vastas áreas, a introdução de variedades altamente produtivas, mas também altamente exigentes e sensíveis, e que os modernos métodos tem possibilitado ao agricultor alienar-se cada vez mais da Natureza, à medida que a indústria entrega ao agriculto sempre novos remédios especiais e fáceis para cada problema real ou imaginários, que se faz agricultura em terras marginais que nunca deveriam ter sido desbravadas e aradas, que se elimina mão de obra pelo uso de herbicidas químicos, que se eliminam os últimos arbustos e cercas vivas, os últimos refúgios da fauna e flora, à medida que avança todas esta artificialidade e destruição, também os problemas das pragas e enfermidades se tonam cada dia mais complicados e mais sérios.
Hoje uma grande lavoura de algodão no Texas ou no Egito, com os métodos atuais seria inimaginável sem fortes doses de adubos químicos e um número cada vez maior de tratamentos com sempre novos pesticidas. Um produtor de maçãs do Tirol ou em Marrocos chega a fazer até trinta e mais tratamentos por temporada.
Chegamos, assim, a uma situação de círculo vicioso: quanto mais química, mais pragas e, portanto, mais química. Situação esta muito do agrado das grandes empresas químicas.
Vejamos um caso concreto entre centenas de fatos parecidos:
Nós aqui ainda comemos laranja manchada. Nosso público ainda não reclama se na casca da laranja, que afinal não se come, aparecem algumas minúsculas cochonilhas. O homem comum, em geral, é cego para os aspectos biológicos e a grande maioria não vê nada. De fato, neste caso, as cochonilhas não fazem absolutamente mal nenhum. O dano é só no aspecto. Mas, nos países tecnologicamente mais desenvolvidos, com sistemas de comercialização em grande escala e supercompetitivos, uma laranja assim não tem chance. No supermercado alemão ou americano as laranjas levam carimbo, são de aspecto impecável, umas como as outras. Um inseto, uma mancha, um arranhão e o fruto vai para o refugo. Na época da colheita, na Espanha ou Itália, podem ver-se montanhas de laranjas apodrecendo ao lado das estradas. Trata-se do refugo. Na estante do supermercado mais parece saída de uma daquelas máquinas de extrusão de objetos de plástico do que proveniente de uma árvore que vive.
Para obter aquele fruto de aspecto impecável o cultivador nas Caraíbas ou no Mediterrâneo tem que usar inseticidas cada vez mais violentos em aplicações sempre mais numerosas. Na África do Norte, contra a cochonilha, usaram inicialmente o Parathion. Este inseticida tem o que os técnicos chamam um “espectro” amplo, quer dizer que não é nada seletivo, mata quase tudo. Em Marrocos as autoridades até o tem usado para matar pardais. Fazem aplicações de avião, à tardinha, quando os pardais estão reunidos dentro das árvores, em sua costumeira algazarra, antes de dormir. Muito bom apiário desapareceu assim. Este poderoso inseticida controlava satisfatoriamente a cochonilha, mas, devido justamente a este aspecto amplo matou também um sem número de outros organismos, quase todos desconhecidos do agricultor. Entre eles os inimigos naturais dos pulgões e dos ácaros.
Antes do uso intensivo deste inseticida o ácaro e o pulgão ocorriam esporadicamente na região. Não chegavam a incomodar. Mas, como o desaparecimento de seus inimigos naturais, seguiram o exemplo do homem, tiveram sua explosão demográfica. Agora o agricultor, para combatê-lo, além dos produtos que já usava contra a cochonilha, usa mais um inseticida sistêmico e um acaricida. Três venenos violentos onde antes não era necessário nenhum.
Os predadores desaparecem e as pragas tornam-se sempre mais resistentes aos inseticidas, obrigando a emprego de sempre novas substâncias em doses sempre maiores. Não tivesse o consumidor dos grandes centros sido condicionado pelo comércio a só aceitar frutos de aspecto impecável, a produção seria mais barata, haveria menos desperdícios e o ambiente das fazendas, a água dos rios, lagos e mares, a Natureza em geral estariam menos poluídos, nossa saúde estaria mais protegida.
A química levou a agricultura a uma situação semelhante à situação da pessoa drogada. O drogado começa com doses pequenas que lhe proporcionam imenso prazer. Acaba tomando sempre mais com efeito sempre menos satisfatório até o desastre final.
Os próprios adubos químicos já desencadeiam um ciclo vicioso deste tipo. As primeiras doses de azoto produzem efeito espetacular. O agricultor acaba usando sempre mais para manter o mesmo nível de colheita. A micro flora e fauna do solo, assim como sua estrutura, acabam degradando-se e desaparecem. Perde-se a capacidade original de fixação do azoto do ar. Alcançam-se então dosificações tais que a maior parte do adubo se perde por lixiviação. O solo se transforma em simples substrato hidropônico. Os rios e lagos morrem pela eutrofização. Nestas condições é impossível evitar desequilíbrios metabólicos nas plantas cultivadas. Aumenta então a suscetibilidade às enfermidades e pragas. Aparece então o vendedor de pesticidas e começa novo ciclo.
Há uns trinta anos havia, talvez, uma dúzia de produtos fitossanitários no mercado. Em geral ainda se procuravam soluções biológicas, ou seja ecológicas, para os problemas das pragas e enfermidades das plantas cultivadas. Então a descoberta do DDT e seu uso em larga escala, durante e imediatamente depois da guerra, marcaram o começo de uma verdadeira explosão da química na agricultura. Hoje o índice de produtos fitossanitários americano contém uns 650 herbicidas, 750 inseticidas, 600 fungicidas e mais 550 produtos diversos, num total de cerca de 2500 produtos. No índice alemão podem contar-se uns 1100 produtos e o índice francês enumera aproximadamente centenas de produtos novos. Estes números não incluem os produtos compostos. No índice americano que inclui os produtos compostos aparecem cerca de 10000 marcas.
Se para o técnico especializado no assunto é difícil manter-se a par desta inundação, imaginem a situação do agricultor. A própria dona de casa está hoje comprando estes produtos na estante do supermercado, ao lado da manteiga e da goiabada.
Todos estes venenos, entres eles os venenos mais violentos até agora desenvolvidos pelo homem, estão à disposição de qualquer irresponsável. Qualquer criança pode comprá-los sem receita na loja da esquina. Qualquer caboclo analfabeto tem o direto de largar os biocidas mais fulminantes em qualquer ecossistema sem a menor preocupação. Qualquer prefeito de cafundó se acha com o direito de largar inseticida sobre todo um banhado ou em um arroio, rio ou lago para matar mosquitos ou borrachudos, se considera muito progressista quando larga alguicidas ou herbicidas em um lago para matar algas ou aguapés. Qualquer plantador de arroz tem permissão de envenenar marrecões com iscas a base de venenos persistentes. Em termos ecológicos isto é equivalente a entregar bombas atômicas ao público para que as utiliza em suas disputas pessoais.
Convém mencionar que, ao contrário do que acontece com os fabricantes de outros ramos, os fabricantes dos pesticidas, nos rótulos e nos folhetos explicativos deixam bem claro que se isentam de qualquer responsabilidade quanto às consequências do uso indevido de seus produtos e, o que é mais interessante e significativo, isentam-se também expressamente de qualquer responsabilidade por eventuais consequências desfavoráveis do uso devido destes produtos. Entregam toda a responsabilidade ao comprador. Mas o público não costuma ler estas advertências em letra pequena, como não lê as cláusulas escondidas das apólices de seguro.
Na indústria química o ramo das pesticidas é hoje um dos mais importantes, com taxas de crescimento fabulosas. As grandes casas internacionais fazem enormes investimentos na pesquisa e conquista de mercados. Ali trabalham milhares de técnicos, químicos, biólogos, farmacológicos, agrônomos e um exército ainda maior de comerciantes. As indústrias têm suas próprias estações experimentais com recursos ilimitados e ainda se servem das estações do estado e de particulares, todas ansiosas em participar nesta cornucópia de remédios fáceis.
À medida que aumenta o mercado e, uma vez existentes as grandes capacidades de produção, procura-se sempre novas possibilidades de aplicação. Em minha atividade dentro da indústria tive a oportunidade de ser confrontado inclusive com folhetos técnicos que recomendavam a destruição de minhocas com chlordano, um hidrocarboneto clorado mais venenoso e mais persistente que o DDT. Assisti a discussões em que agrônomos, a serviço da indústria, homens aparentemente inteligentes, propunham como uma nova ideia genial a aplicação no bosque de um herbicida já fracassado na viticultura devido à sua persistência. Este herbicida matava as vinhas anos depois de sua aplicação porque descia lentamente no solo. Para que propunham eles estes herbicidas no bosque? Para acabar com a vegetação rastreira e facilitar assim o trabalho do caçador que veria melhor a lebre.
Vejamos um caso mais sério de conquista de novos mercados. Trata-se do caso dos “desfoliantes” no Vietnam. “Desfoliantes”, neste caso é apenas um eufemismo para algo muito feio. Trata-se de herbicidas, como o 2,4-D, o 2,4,5-T e o pichloram, que são usados em dosificações pelo menos dez vezes superiores as agrícolas tornando-se assim herbicidas totais. Dezenas de milhares de km² de florestas, sem falar das lavouras, foram assim definitivamente destruídas. Grandes extensões de mangue desapareceram para sempre. Os manguesais são o resultado de equilíbrio frágeis. Destruídos, o dano é irreparável. Os vietnameses eram uma das poucas civilizações culturalmente elevadas que sabiam viver em harmonia com o bosque. Se estes bosques jamais voltarem em sua forma e riqueza original, isto levará séculos. A “defoliação” que teria como alvo apenas tornar visíveis os guerrilheiros, acabou não somente com os bosques, mas com toda a fauna deles dependente. Destruiu-se também uma civilização milenar.
Algo parecido deve estar ocorrendo na Amazônia. A finalidade é outra, mas os danos serão os mesmos, serão igualmente irreversíveis. A revista Realidade de outubro de 1971, em seu número dedicado às barbaridades que estamos fazendo na Amazônia, inclui um mapa muito interessante da bacia do grande rio. Neste mapa a oeste de Manaus, entre o Solimões e o Rio Negro, com uma flecha apontada para a localidade de Airão, aparecem os seguintes dizeres:
“Local onde caiu e afundou o avião C-46, prefixo 51 388, da Hemisphere Leasing Corp, Houston, Texas, em agosto de 1968. Levava substâncias tóxicas suficientes, caso os invólucros se rompam, para não somente matar a fauna aquática mas envenenar também a população de Manaus”.
Voltando ao agricultor, ele está hoje tão condicionado e o aparelho comercial continua com todos os meios a indoutriná-lo, que já não concebe agricultura sem química. Já não mais espera o aparecimento da praga. As aplicações são feitas segundo um calendário fixo. Não somente ele emprega veneno onde seria desnecessário, ele tende sempre a abusar das dosificações.
O raro técnico que se atreve a sugerir que em determinada situação talvez seja melhor não tratar ou usar menos produtos, é automaticamente considerado mau técnico. Sempre estará presente o técnico da concorrência com uma boa receita de venenos sempre mais potentes e em combinações sempre mais complexas. Algo parecido ao que está acontecendo na medicina. Muita gente sai do consultório decepcionada se o médico não receitou nada ou pouco. Este médico não pode ser bom.
E isto nos leva a uma situação interessante e bastante imoral que existe neste negócio. Imaginem quanto remédio estaríamos tomando se o farmacêutico fosse quem escrevesse a receita. Para os produtos fitossanitários a quase totalidade de assessoramento técnico está em mãos das próprias casas fabricantes e do comércio. É claro que fazem todo o possível para aumentar as vendas e para que não vinguem outros métodos.
Outro exemplo concreto: Uma grande casa alemã, fabricante de um herbicida que na Europa deu excelentes resultados na cultura da beterraba açucareira queria introduzir este produto na África do Norte. O técnico da casa, estacionado na região, argumentou que por razões sociais e técnicas o produto não interessaria. A substituição da capina manual pela química deixaria sem trabalho milhares de fellahs para os quais isto significaria a fome. Este argumento não interessou. Se o argumento social não pesava, seria de supor que o argumento técnico fosse decisivo. Não era.
Nas culturas açucareiras europeias predominam os inços dicotiledônios, as plantas herbáceas, contra as quais este produto, a base de pyrazon trabalha muito bem. Na África do Norte são as gramíneas que constituem problema na beterraba. Contra estas a substância não tem efeito. Um graminicida barato como o TCA seria suficiente. A casa passou então a recomendar uma fórmula especial em base à dosificação normal, muito cara, do pyrazon mais a quantidade necessária de TCA para matar as gramíneas. O pyrazon nesta fórmula é enfeite, não dá vantagem nenhuma ao agricultor mas encarece consideravelmente o tratamento, além de constituir uma poluição totalmente desnecessária. Em vez de cerca de 50 cruzeiros por hectare para o graminicida que seria suficiente, o agricultor gastará mais de duzentos cruzeiros por hectare. Obsolescência planejada até na agricultura.
Quando falamos no aspecto social tocamos um aspecto muito grave e sempre esquecido da chamada Revolução Verde. Já que se tornou moda falar da “poluição da pobreza” convém mencionar que muitas das técnicas modernas contribuem a esta pobreza. As modernas técnicas de racionalização do trabalho agrícola surgiram todas nos Estados Unidos ou na Europa. Dentro das estruturas econômicas específicas destas regiões estas técnicas contribuem efetivamente ao enriquecimento social, se bem que a curto prazo. Os cursos ambientais ainda não estão computados. O dia em que a Natureza apresentar a conta ela será brutal. Na Europa e nos Estados Unidos toda economia de mão de obra é uma vantagem social. Mas será que isto é o caso na índia ou na América Latina? Nos países super industrializados a pouca mão de obra ainda existente no campo é bem paga e suas rendas aumentam com o incremento da técnica.
Na Colômbia ou no Irã, quando aparece o trator, a combinada e o herbicida no campo explode a favela na cidade. Só o agricultor que já era forte, o homem digno de crédito bancário, pode tirar proveito das novas técnicas. Torna-se mais rico. O camponês e o peão perderam a corrida e vão para a cidade engrossar as massas amorfas de marginais. Naqueles países onde ainda existe o camponês tradicional, apegado à terra, com suas práticas milenares que muitas vezes representam equilíbrios sustentáveis, a Revolução Verde está causando o desmoronamento de estruturas sociais estáveis. O preço é o descontentamento e as frustrações das massas com consequente instabilidade política.
Durante os últimos trinta anos a quase totalidade da pesquisa dirigida a resolver os problemas das pragas e enfermidades dos cultivos tomou o caminho da química. É natural. A finalidade da maior parte desta pesquisa não era resolver os problemas da agricultura ou da sociedade, era a de resolver os problemas da indústria. Os técnicos agrícolas, no entanto, de tal maneira se deixaram empolgar pela química que quase se esqueceram de que há outros caminhos.
Acontece que na química é fácil movimentar muito dinheiro, fazer crescer grandes capitais e burocracias. As grandes casas podem dar-se ao luxo de gastar até dezenas de milhões de dólares para descobrir e preparar para o mercado um novo produto de grande aceitação. Este produto, uma vez introduzido, permitirá ganhar centenas de milhões. Mas este problema não é só das chamadas sociedades capitalistas, é tão graves nos países que se dizem socialistas como entre nós. Lá descobrem menos produtos, mas usam os produtos ocidentais com o mesmo abandono e a mesma irresponsabilidade ecológica.
Por outro lado, para elaborar um método de combate biológico, também se torna necessário gastar grandes somas, movimentar exércitos de cientistas e técnicos por vários anos. Mas, quando o método está a ponto, em geral, só quem lucra é o agricultor, nossa saúde e a Natureza. São raros os métodos biológicos que permitem a terceiros ganhar grandes somas.
É claro que este tipo de trabalho não atrai grandes capitais. Os métodos biológicos e integrados terão que ser desenvolvidos pelas estações e instituições do estado, pelas universidades, pelas grandes cooperativas ou grandes empresas agrícolas particulares. Os países chamados socialistas perderam uma grande chance. Em vez de seguirem o exemplo ocidental, assessorando-se com técnicos ocidentais e comprando produtos ocidentais, deveriam ter-se dedicado à pesquisa biológica. Teriam hoje algo a oferecer.
Os métodos brutais do combate químico, pela sua simplicidade, pelo enfoque simplório de simples erradicação, tem uma atração toda especial para os burocratas. Estes burocratas não conhecem, não querem nem tem capacidade de conhecer a complexidade dos fenômenos em jogo. É muito fácil e parece tão científico falar em termos de tantos cm3 por litro de tal ou qual ingrediente ativo, aplicado em tantos litros por hectare, de preferência por avião, para eliminar este ou aquele inimigo. Não há atração nenhuma em falar em termos de dinâmica de populações, de interação entre praga e predador, em falar na necessidade da conservação de certas comunidades naturais, da necessidade de rotação de cultuas, de manutenção de uma certa homeostase natural através de ecossistemas artificiais mais complexos. Tão pouco é interessante falar da necessidade da proteção da saúde do solo. É muito mais fácil abrir concorrência de preços para mil toneladas de DDT que estabelecer uma rede de laboratórios, de centros de pesquisa ecológica e de assessoramento. A química oferece soluções tão simples. Todo burocrata, quer seja capitalista ou comunista prefere sempre soluções simples.
Existe outro grande incentivo para a química. Ela se presta tão bem à corrupção. Em um determinado país norte-africano durante dois mil anos não se empregou nenhum inseticida nas oliveiras. Com os equilíbrios naturais ainda existentes os danos por pragas de insetos eram mínimos e aceitáveis. Até que um dia um funcionário do Ministério da Agricultura resolveu importar “progresso”. As companhias logo se precipitaram sobre ele com ofertas de gordas comissões em conta bancária na Suíça. A firma que ofereceu a melhor comissão recebeu o pedido, que, naturalmente, era bastante grande, calculado, simplesmente, em base às estatísticas quanto a número de árvores. Dali para diante nunca mais as oliveira deixaram de ser tratadas. Existe agora um interesse criado. Naturalmente já surgiram as outras pragas. Já se empregam sistêmicos, acaricidas e até fungicidas. Chegará a vez dos herbicidas. As colheitas por isso não aumentaram, apenas encareceu-se a produção, tornou-se mais difícil a vida do agricultor pequeno.
Assim continuamos todos a envenenar cada vez mais o nosso belo planeta e a nós mesmos.
Levamos mais de anos para dar-nos conta do perigo que representa a introdução do DDT na biosfera. Muitos dos danos até agora conhecidos já são irreversíveis e não sabemos o que está por vir. Assim mesmo a irresponsabilidade continua. Apesar da proibição em vários países ainda não fecharam as fábricas de DDT. A Organização Mundial da Saúde das Nações Unidas, em sua campanha antimalarial, compra DDT de fábricas que já não podem vender em seus próprios países. Mas já há exceções. A Alemanha, recentemente, ampliou a legislação que proibia o uso de DDT, incluindo a proibição da fabricação e da exportação.
Se, a partir de amanhã, não se usasse mais um quilo de DDT, ainda assim, por pelo menos dez anos, o escoamento desta substância dos continentes aos mares continuaria aumentando, antes de começar a diminuir e não sabemos se a quantidade já existente nos oceanos já não desencadeou um processo irreversível. Segundo um estudo recente, os peixes de todos os oceanos estão com entre 0,5 e 5 ppm de DDT em seus organismos. Até os pinguins da Antártida, lugar onde nunca foi aplicado o DDT, estão afetados. A águia calva (Bald Head Eagle), pássaro do emblema dos Estados Unidos está em vias de extinção. O pelicano do Golfo do México praticamente desapareceu, o da Califórnia está no mesmo caminho. Muitas espécies seguirão. No Rio Grande do Sul as aves de rapina já começam a tornar-se raras.
O grande oceanógrafo Cpt. Jacques Cousteau, num depoimento que prestou num simpósio das Nações Unidas, expressando suas preocupações pelo estado dos oceanos, declarou que durante os últimos vinte anos a vitalidade dos mares havia diminuído em 30-50% em termos de vida animal e vegetal.
Os hidrocarbonetos clorados, dos quais do DDT é apenas o mais conhecido, são muito persistentes. Calcula-se que a meia vida do DDT em condições médias é de cerca de 10 anos, ou seja, depois de 10 anos ainda circulam na biosfera 50% da quantidade introduzida. Além de sua persistência estas substâncias concentram-se através da cadeia alimentar. O DDT é quase insolúvel na água mas é acumulado pelas bactérias e algas. Quando estas são consumidas pelo seguinte elo da cadeia, pelos protozoários, verifica-se nova concentração. Cada protozoário durante sua vida consome centenas, talvez milhares de algas ou bactérias, retendo o DDT destas. O protozoário, por sua vez, é devorado pelo alevino, girino, pequeno crustáceo, pelos vermes, moluscos e insetos aquáticos. Mas a história não acaba aí. Todos estes animaizinhos acabam no estômago de organismos maiores: no peixe pequeno que é devorado pelo maior, e assim por diante, até chegar ao peixe que consumimos ou nas aves aquáticas e outros carnívoros. Em cada caso verifica-se uma concentração que pode ser de uma ou várias ordens de magnitude. O que começou com concentrações insignificantes, aparentemente sem perigo algum, termina assim numa concentração que pode ser fatal. No caso do pelicano e de outras aves de rapina é suficiente para interferir no metabolismo do cálcio a ponto de impedir a reprodução. As fêmeas pões ovos sem casca ou com casca muito fina que esmagam ao chocar.
Esta concentração biológica é também a causa do desaparecimento do predador ao mesmo tempo que a praga consegue tornar-se resistente. Durante os primeiros tratamentos com uma nova substância tóxica a praga morre naqueles lugares e nas condições em que for atingida por doses letais. Fora da área tratada, porém, nas margens desta e mais além, ela se encontra exposta a doses sub-letais. São estas doses sub-letais que permitem a seleção natural de linhas resistentes. Elas constituem, por assim dizer, uma vacina que opera a nível populacional. Para o predador a situação é bastante diferente. O predador morre na zona letal e morre quase sempre na zona sub-letal e além. Isto porque, além da dose sub-letal que recebeu diretamente ele recebe e acumula em seu organismo as doses sub-letais absorvidas pelas presas. O acúmulo se torna letal para ele. Desaparece antes de poder desenvolver resistência.
Convém lembrar que nós humanos estamos na cúspide da pirâmide alimentar. Nos Estados Unidos podem ver-se hoje cartazes que mostram uma mulher em estado. Sobre o seio descoberto aparecem os seguintes dizeres: “Leite destes recipientes é impróprio para consumo humano (Milk from these containers is unfit for human consumption)”.
O que acontece com os hidrocarbonetos clorados pode acontecer com todos os venenos não biodegradáveis e cumulativos. Convém lembrar a catástrofe da Bahia de Minamata, no Japão, onde houve mortes e sérias lesões cerebrais, assim como danos teratogênicos pelo consumo de peixes com altas concentrações de mercúrio. Neste caso o mercúrio provinha dos efluentes de certas fábricas de plásticos mas o mercúrio também é introduzido na biosfera por certos tratamentos agrícolas, pelos fungicidas mercuriais. Em nossas regiões tritícolas foram enormes os danos às aves silvestres pelos fungicidas mercuriais no tratamento da semente. A única razão porque ainda predominam os produtos mercuriais para este fim é o preço, eles são mais baratos que outros fungicidas. Aliás, esta é também a razão porque se continua usando DDT.
O mercúrio constitui um perigo, se não quantitativamente, pelo menos qualitativamente muito mais grave que o DDT. O mercúrio, como elemento, é totalmente indestrutível na Natureza e não sabemos quanto tempo continuará circulando nos sistemas vivos. A maioria dos belos lagos suecos está hoje interditada à pesca devido à contaminação com mercúrio. Nos Estados Unidos foram condenadas e destruídas grandes partidas de tuna pescado em alto mar por estar seriamente contaminado com mercúrio.
No organismo humano o DDT ingerido pouco a pouco, em frações de miligramas por dia, é retido no tecido adiposo, onde se concentra. Enquanto se encontra ali depositado não causa prejuízos aparentes, mas quando o indivíduo adoece por outra causa, digamos uma gripe forte numa pessoa de idade, consome-se as graxas que são as reservas do organismo. O DDT entra então maciçamente em circulação. A enfermidade se agrava pela intoxicação. O médico naturalmente não saberá o que realmente matou o paciente. Os venenos não cumulativos, por sua vez, podem causar danos cumulativos. Estragam lentamente o fígado, os rins e outros órgãos, encurtando a vida. Matam indiretamente e a longo prazo.
Por isso a fixação de tolerância para resíduos de pesticidas na alimentação tem pouco sentido. Com isto não se leva em conta o efeito cumulativo e o fato de que, nas condições atuais, nosso organismos se vê obrigado a arcar diariamente com quantidades homeopáticas de centenas de substâncias com efeitos os mais diversos, quase todos desconhecidos. Este enfoque é apenas cortina de fumaça para permitir a continuação de práticas duvidosas, porém rendosas.
Este enfoque ignora completamente os possíveis e muito prováveis efeitos sinergísticos entre as muitas substâncias que ingerimos todos os dias. Não há estudos neste sentido. Estes estudos seriam extremamente difíceis, custosos e demorados. Ignora também os efeitos carcinógenos, mutagênicos e teratogênicos.
Basta dizer que hoje, pela alimentação que consumimos, pela água que tomamos e pelo ar que respiramos, nosso corpo é constantemente confrontado com toda uma série de espectros de substâncias quase todas biocidas: temos os resíduos dos pesticidas aplicados na agricultura que aparecem na alimentação vegetal e animal, na alimentação animal aparecem ainda os resíduos dos produtos veterinários; temos os resíduos dos pesticidas aplicados nos silos e armazéns para a conservação das colheitas; aparecem os venenos usados nas residências, escritórios, cinemas e restaurantes pelas desinsetizadoras; na elaboração dos alimentos a indústria alimentícia usa toda uma gama de aditivos químicos para a conservação, condicionamento e coloração, inclusive sabores e aromas artificias; abusamos dos medicamentos, sedativos e tranquilizantes, a água que tomamos e usamos na cozinha naturalmente tem sua lista própria de substâncias alheias; além do que entra pela boca respiramos todas as porcarias que hoje enriquecem o ar das cidades e do campo também; e não são poucos os venenos que absorvemos pela pele. O homem introduz hoje no ambiente cerca de 500.000 substâncias alheias. Esta lista aumenta de alguns milhares por ano.
A grande maioria destas substâncias são desenvolvidas de maneira empírica com enfoque tecnológico unilateral. Em cada caso persegue-se um fim restrito e a curto prazo sem considerações pelos efeitos colaterais, especialmente quando estes efeitos só aparecerão mais tarde ou em outros lugares. Cada técnico supõe que os poucos resíduos que ele deixa não terão importância. Mas acontece que a Natureza e em nosso organismo tudo isto se encontra e reage entre si. Ninguém pode prever o que acontece.
Recém agora estamos descobrindo os efeitos perniciosos do 2.4.5-T, já quase tão velho quanto o DDT. Estamos descobrindo que as substâncias dos grupos PCB (bifenil policlorado) constituem problema talvez mais sério e mais fatal que o DDT e seus parentes, mas já estão todos os oceanos contaminados com PCB. Estamos agindo como o aprendiz de feiticeiro.
O lógico seria que não usássemos substâncias das quais não conhecemos os feitos remotos e a longo prazo, que as observássemos em experimentos controlados o tempo necessário para descobrir todos os seus efeitos adversos. Mas isto é pouco econômico para os fabricantes. Na falta de legislação na prática, se parte do princípio de que, onde não se conhecem os perigos se supõe que não os há. Continua se fazendo tudo aquilo que não está proibido e algo mais. Quando aparecem as primeiras calamidades, estas são menosprezadas e luta-se contra todo esboço de legislação reguladora. Fala-se do alto sentimento de responsabilidade das casas, que só tem em mente o bem da Humanidade e a luta contra a fome. Quando, então, a situação é bem clara e a proibição é total, retira-se o produto do mercado, mas continua-se vendendo naqueles países onde os legisladores ainda estão dormindo. Neste contexto, se bem que em âmbito diferente convém lembrar a catástrofe da Thalidomida.
Felizmente esboça-se agora uma reação. Pelo menos nos países tecnologicamente mais desenvolvidos, que são também os que mais sentem os estragos causados pela tecnologia descontrolada. Em 1962 apareceu o livro da grande, já então famosa, bióloga americana Rachel Carson, “Silent Spring” (Primavera Silenciosa). Este livro, pode dizer-se que foi o que acendeu a primeira faísca da atual preocupação pelo ambiente. Apesar de alguns pontos fracos, logo ferozmente atacados pela indústria, a Senhora Carson, em uma linguagem apaixonada e apaixonante, conseguiu alertar e ser ouvida pelo grande público. Sem este livro ainda não teríamos, pelo menos em alguns países, os primeiros passos de uma legislação ambiental. Não haveria ainda a atual retomada dos métodos biológicos e integrados na agricultura.
Na Europa e nos Estados Unidos é grande a preocupação pelos resíduos de pesticidas na alimentação. Muita gente já está disposta a pagar mais por alimentos mais puros, isentos de venenos. Pode observar-se atualmente um auge muito grande na agricultura sem química, até recentemente praticada só por pequenos grupos de fanáticos, os “biodinâmicos” na Europa e os “organic farmers” nos Estados Unidos. Só na Alemanha já existem mais de 500 propriedades agrícolas biodinâmicas. A demanda de seus produtos ultrapassa em muito a produção. Este movimento vai crescer.
Já houve o caso louvável, acontecido em 1971, de uma grande casa internacional que resolveu retirar do mercado seus produtos à base de PCB antes mesmo que os ecólogos se dessem conta e começassem a advertir. Infelizmente esta decisão deveu-se apenas a um executivo regional europeu. A casa matriz nos Estados Unidos continuou a promover estes produtos até que estourasse o escândalo.
O caminho a seguir daqui para diante é o de incrementar por todos os meios a pesquisa biológica. A agricultura deve aproximar-se novamente da Natureza. Teremos que aprender a levar em conta os fatores ecológicos para nossos cultivos e para o ambiente natural em geral, teremos que procurar estabelecer equilíbrios permanentes. Nós não somos a última geração neste planeta. Devemos, portanto, desenvolver técnicas agrícolas que sejam indefinidamente sustentáveis, que não degradem os sistemas de suporte de vida da Terra.
Um dos fatores mais importantes, e no entanto, mais descuidado é a restauração biológica do solo. A grande agricultura mecanizada de monocultura industrial acaba degradando os solos a ponto de transformá-los em simples substratos minerais, sem vida e vulnerável à erosão. Hoje sabe-se que as plantas não absorvem somente sais minerais simples. É sabido que uma planta em solo biologicamente são é menos suscetível às enfermidades e pragas. Muitos dos problemas fitossanitários seriam, portanto, automaticamente resolvidos em solos sãos, ricos em matéria orgânica com micro-flora e fauna protegida.
O caso das infestações com netatoides é um exemplo. Estes vermes microscópicos são muito difíceis de controlar quimicamente. O tratamento as vezes custa mais do que o valor da terra, mas logo aparece reinfestações. Entretanto, em um solo organicamente em ordem, eles têm uma série de inimigos naturais e não chegam a constituir praga.
Teremos que restabelecer equilíbrios estáveis entre as partes cultivadas e não cultivadas de uma paisagem. Não podemos acabar com o último bosque virgem, o último banhado, a última cerca viva. Não podemos acabar com o último pássaro, a última borboleta. Será necessário conservar partes viáveis de cada ecossistema para que todas as espécies tenham possibilidades de sobreviver, para que haja o máximo de homeostase natural.
Infelizmente a agricultura está hoje tão drogada na química que não mais podemos eliminar abruptamente os pesticidas químicos, como não se pode negar repentinamente a droga ao viciado. Mas, onde for necessário continuar com meios de combate químico, devemos desistir imediatamente de todas as substâncias que como o DDT, os mercuriais e outros, são muito persistentes e sujeitos à concentração biológica, ou de substâncias cujos efeitos a longo prazo não conhecemos. Uma nova substância ativa só deveria ser liberada ao público depois de estudos exaustivos sobre todos os efeitos a curto e a longo prazo.
A lista das substâncias no mercado deveria ser reduzida de modo que o agricultor e os técnicos possam realmente aprender a conhecer seus produtos. Seria um grande progresso se conseguíssemos acabar com os nomes comerciais, com as marcas. Só o DDT aparece no mercado sob mais de 50 denominações diferentes. É a mesma situação da farmacologia onde a penicilina tem dúzias de nomes diferentes. Os produtos deveriam aparecer no mercado com seus nomes técnicos.
O assessoramento sobre o uso destas substâncias não pode continuar nas mãos dos próprios fabricantes e comerciantes. Este assessoramento deveria ser feito por entidades especializadas independentes, estatais ou particulares. Em alguns casos e para determinados produtos, a aplicação deveria ser feita exclusivamente por equipe técnicas, nunca pelo próprio agricultor. Vejamos o caso das mortes e intoxicações que houve no tratamento contra o pulgão do trigo na temporada de 1971, assim como a mortandade de gado em Palmeira das Missões e em Guaíba, sem falar do massacre da fauna já tão dizimada. Estes são problemas que necessitam de soluções políticas além de técnicas e comerciais.
Entre as substâncias disponíveis devem preferir-se sempre as substâncias biodegradáveis. A moderna biologia molecular abre vastas avenidas de investigação, inclusive em campos que poderão tornar-se rendosos para a indústria: hormônios, enzimas, feromanas (substâncias odoríferas usadas na comunicação entre insetos), atrativos e repelentes, alcaloides, inseticidas botânicos e outros. Teremos então armas bem mais específicas e mais precisas que os atuais inseticidas e herbicidas de largo espectro, com a vantagem que estas substâncias não continuariam depois circulando indefinitivamente na biosfera. No caso dos hormônios, dos atrativos e das feromonas é pouco provável o aparecimento de resistência tão comum no casos dos inseticidas correntes.
Os inseticidas de largo espectro são armas brutais e indiscriminadas que na verdade não honram nenhum técnico, trabalho de elegante em casa de vidro. O agricultor ou o sanitarista só enxergam a espécie que pretendem eliminar, mas aplicam um veneno que mata direta ou indiretamente centenas de espécies, inclusive as que eles mesmos deveriam de proteger. Devemos, portanto, procurar trabalhar, sempre que possível, com substâncias que tenham efeito ou modo de ação o mais específico possível. Assim, em muitos casos, um inseticida sistêmico é ecologicamente menos pernicioso que um inseticida de contato. O sistêmico mataria quase só os insetos chupadores, o pulgão, p. ex., o de contato mataria também os inimigos naturais da praga que devem ser protegidos.
Existem muitos métodos biológicos, ecológicos e integrados de luta, muitos já conhecidos, outros por descobrir. As estações genéticas, em vez de concentrar seu trabalho de seleção de novas variedades só no máximo de produtividade e no aspecto vistoso, teriam que dar maior importância à verdadeira qualidade alimentícia e à resistência genética contra enfermidades e pragas. Aqui do Rio Grande do Sul já tivemos um grande trabalho desta índole. Basta lembrar o saudoso geneticista Ivar Beckmann, criador do trigo Frontana. Sem estas linhas resistentes à ferrugem não teria sido possível o auge da triticultura gaúcha.
Aqui convém chamadas a atenção a outro perigo da Revolução Verde. Progresso numa direção sempre significa perda em outra direção. Trata-se do perigo genético, ou seja, do perigo do empobrecimento do capital genético de nossos cultivos. As novas variedades altamente produtivas impressionam de tal maneira o agricultor que ele abandona por completo as variedades tradicionais que, se bem que menos produtivas, são em geral de maior valor nutritivo e representam ótimas adaptações locais. Na Ásia, p. ex., havia milhares de variedades de arroz que estão agora desaparecendo de maneira irrecuperável.
Este grande número de variedades representava um grande e valioso capital genético. As próprias estações, criadoras das novas variedades se servem deste capital em suas cruzas e seleções. Este capital está se perdendo irremediavelmente.
Em futuro próximo não somente será mais difícil ou impossível selecionar novas linhas que tenham as novas resistências então necessárias, mas também, e isto é mais grave, a uniformidade genética do material cultivado através de vastas regiões, significa uma vulnerabilidade exponenciada diante das novas adaptações das enfermidades criptogâmicas e das pragas, adaptações estas que surgirão inevitavelmente. Facilmente nos veremos confrontados com calamidades generalizadas para as quais não haverá mais remédio.
Também neste ponto estamos pecando contra um dos princípios mais fundamentais da ecologia, o princípio da necessidade da variedade. A homeostase é a função da variedade, isto é do grande número de espécies e variedades. Um sistema é tanto mais estável, tanto mais autorregulado, quanto maior o número de espécies que contem.
Entre os métodos de luta biológica, o método popularmente mais conhecido, que é também uma das armas mais antigas no arsenal da luta contra as pragas, é o dos predadores ou inimigos naturais. Já em 1888, nos pomares da Califórnia, foi possível controlar o pulgão lanígero com outro inseto, a joaninha. Voltando às laranjas, anteriormente mencionadas, em Marrocos, hoje, em uma área destes cultivos, um pequeno grupo de biólogos abnegados conseguiu elaborar um controle biológico que consiste em criar em laboratório e largar na plantação um micro himenóptero, cujas larvas consomem a cochinilha. Nas plantações onde já funciona este método, automaticamente desaparece o problema do pulgão e do ácaro. Para não prejudicar a vespinha introduzida o agricultor não usa mais inseticidas. Com isto voltam os predadores destas pragas e restabelece-se o velho equilíbrio.
Muito antes dos herbicidas químicos os australianos conseguiram controlar a opuntia introduzida da América e que lá se tinha transformado em terrível praga das pastagens. Para isto vieram aqui estudar os inimigos naturais deste cactus e os levaram para a Austrália. Nos Estados sulinos dos Estados Unidos era comum controlar os inços nas lavouras de algodão com gansos. O processo se chama “cotton goosing”, ou seja “gansear” o algodão. O ganso não toca no algodão, do qual não gosta, mas acaba com todas as ervas e gramíneas. Gosta imensamente do Sorghum halepense (Johnson Grass), uma gramínea muito comum naqueles algodoais e difícil de combater quimicamente. Na Guiana Britânica o “manatee”, nosso peixe boi, já quase exterminado na Amazônia, mantém os canais de irrigação livres de aguapés e ao mesmo tempo fornece boa carne. No entanto o Sudão prefere gastar enormes somas com a importação de herbicidas sistêmicos para controle da Eichhornia, nosso aguapé que lá entope barragens e turbinas. Assim se polui desnecessariamente o Nilo com substâncias que estão sob suspeita de serem carcinogênicas.
Notem que não gostamos de usar o tempo “erradicar”, preferimos sempre “controlar” ou combater”, nunca “exterminar”. Na natureza todas as espécies são importantes e não devemos nunca procurar exterminar nenhuma delas por mais que ela nos possa parecer detestável no momento. O próprio mosquito é importante, sua larva serve de alimento aos alevinos dos peixes, que desovam nos banhados. Os adultos alimentam andorinhas e morcegos. Tão pouco sabemos quais os usos que nós humanos acabaremos inventando para espécies aparentemente sem importância. Que seria da biologia molecular, da moderna genética molecular se tivéssemos exterminado a Drosóphila melanogaster uns 50 anos atrás. Muito mais afastados estaríamos de uma possível cura do câncer.
Outro método da luta biológica é o dos agentes patogênicos. Já existem alguns produtos no mercado, o Eacillue tharingiensis, p. ex. Há possibilidades de trabalho com vírus e protozoários. Nesta avenida de investigação poderão ser encontradas armas bem específicas. Os laboratórios bélicos das grandes potências, que gastam bilhões na investigação de armas biológicas para matar gente e colheitas, bem que poderiam dedicar-se a controlar biologicamente as pragas dos cultivos.
Outro caminho que promete muito e que já deu grandes resultados com algumas espécies é o método dos machos esterilizados. Cria-se em laboratório a espécie que se quer combater e produz-se enormes quantidades de machos esterilizados, porém não impotentes. Isto se obtém com determinadas dosificações de raios X ou com certas substâncias químicas. Os machos estéreis são largados nas regiões infestadas. Cada fêmea que se acasala com um macho estéril produzirá ovos estéreis. Com aplicações subsequentes chega-se rapidamente a níveis aceitáveis na população da praga. Este processo foi usado com êxito em Curaçao, nas Antilhas Holandesas e atualmente está sendo usado na Flórida contra a mosca da bicheiro do gado. A elegâncias deste método e dos demais métodos biológicos está em que são perfeitamente específicos. Só são atingidas as espécies que se quer atingir, sem os danos imprevisíveis dos produtos químicos.
Existem também possibilidades nas associações de plantas, isto é no cultivo associado de plantas que atraem ou afugentam pragas. A Tagetes, p. ex., exuda em suas raízes uma substâncias que afugenta nematoides. Alternada com tomates em solos infestados protege o tomate. O custo é muito inferior ao dos nematicidas. Em Cuba obtiveram-se ótimos resultados no controle de uma lagarta do milho pela intercalação, cada oito meses, de uma linha de girassol. O girassol atrai a lagarta e é consumido, evitando o ataque ao milho. Na França é comum o milho entremeado com o algodão, como isca para as pragas deste. A agricultura tradicional conhecia muitas práticas deste tipo. Infelizmente estas práticas estão se perdendo por causa da química. Convém reavivá-las e modernizá-las.
São numerosos também os problemas especiais, alguns de índole não agrícola suscetíveis de soluções biológicas ou ecológicas. A Austrália está atualmente introduzindo umas 40 espécies de escaravelhos estercoreiros africanos. Na Austrália, antes da Colonização não havia herbívoros grandes. Faltavam, portanto os estercoreiros capazes de desmanchar o esterco da vaca. No Rio Grande do Sul, pela mesma razão, temos o mesmo problema. O esterco seca no campo, transformando-se em algo que seria mais útil como combustível do que para reciclar a matéria orgânica. Os estercoreiros africanos que evoluíram conjuntamente com os grandes herbívoros resolvem perfeitamente este problema.
Se apenas uma fração do dinheiro já gasto na pesquisa química tivesse sido gasto para a pesquisa biológica, talvez já teríamos resolvido a maioria dos problemas evitando um dos aspectos mais graves da poluição ambiental e da degradação ecológica.
Uma coisa é certa. Até o fim do século teremos que encontrar uma maneira de alimentar mais uns três e meio bilhões de humanos. As áreas de terra aráveis não aumentarão até lá. Atualmente, só pela erosão, estamos perdendo 5.000.000 ha anualmente, uma superfícies que corresponde aproximadamente à quinta parte do Rio Grande do Sul. Só pelo aumento da produtividade por unidade de área poderíamos resolver o problema. Mas se o fizermos com os métodos tradicionais, isto é com sempre mais química indiscriminada, a poluição de continentes e mare será exponenciada de tal forma que a Ecosfera não aguentará o abuso. Será o fim!
Temos que procurar novos caminhos, e temos que procurá-los já.
A problemáticas dos efeitos adversos do uso indiscriminado da química na agricultura é outro aspecto dos problemas ambientais que hoje confrontamos, consequência de uma tecnologia unilateral e míope. Está na hora de começarmos a prestar atenção as consequências de nossos atos. O homem do campo, hoje um dos mais alienados diante da Natureza, terá que aprender a abrir os olhos para ela.
O perigo não reside na ciência e na tecnologia em si. Está no uso que fazemos delas. O que está errado não é a ciência. É nossa filosofia que precisa ser radicalmente reformulada. Se desrespeitarmos a Natureza a ponto de preparar nossa própria extinção é porque temos uma filosofia antropocêntrica, que quer que o homem seja o dono do Universo, que não reserva em nossa ética nenhum lugar para os demais seres da Criação.
Esquecemos que somos apenas um entre uma infinidade de atores, dentro deste grande e fabuloso processo que é o caudal da vida neste astro. Se não conseguirmos aprender que não estamos fora e contra a Natureza, mas que somos parte integrante dela, não teremos futuro.
*Conferência pronunciada para estudantes de Agronomia., reprodução do APJL. 1972.
Texto transcrito por Sara Rocha Fritz.
Postado por Débora Nunes de Sá.
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