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Nos jardins, uma nova visão da Natureza

No mundo agitado, irritante e insalubre em que vivemos hoje necessitamos todos de alguma compensação que nos permita manter o equilíbrio físico e mental. O jardim pode ser uma dessas compensações.


José A. Lutzenberger



Jardim no Rincão Gaia. Pantano Grande-RS. Foto: Elenita Malta

No mundo agitado, irritante e insalubre em que vivemos hoje necessitamos todos de alguma compensação que nos permita manter o equilíbrio físico e mental. O jardim pode ser uma dessas compensações. Além de contribuir substancialmente à saúde do corpo e alma poderá constituir ocupação de grande valor educativo, pois nos fará sentir a Natureza da qual estamos tão fundamentalmente alienados. Se alguém pode ou não fazer um jardim que cumpra essas importantes funções depende menos dos meios com que conta, do que de sua inclinação e disposição diante da tarefa.


Quem é muito rico e dispõe de muita terra é claro que poderá., se quiser, fazer um imenso parque com paisagismo esmerado, mas com meios muito modestos também se pode fazer muita coisa não menos interessante. Muito contentamento e paz de espírito pode se obter com meios irrisórios. Há os que sabem fazer jardins fascinantes em poucos metros quadrados e que obtém imensa satisfação no cuidado que lhes dispensam. Até no balcão de uma janela pode-se cultivar um pedaço de natureza e mesmo num pequeno aquário pode surgir um jardim submerso encantador.


A Natureza oferece um sem número de possibilidades. Quem sabe observá-la e tem imaginação nunca se cansará de maravilhar-se diante dela, sempre descobrirá cousas novas e surpreendentes. Aprenderá a deleitar-se com ela.

Assim, como eu posso gostar de jardins grandes e variados ou de árvores centenárias com seu vestido de epífitas, posso também deleitar-me na arte do Bonsai que consiste em cultivar miniaturas de árvores. Em São Paulo temos um grupo de japoneses que trouxeram de seu país essa tradição. São grandes artistas. Alguns possuem exemplares de indescritível beleza. Estas miniaturas passam de pai a filho. Há os que possuem Bonsais de 300 ou 400 anos. Dedicam muito tempo, paciência, amor e carinho a suas plantas, Devem obter tremenda satisfação e paz de espírito nessa arte.


Em nosso país ternos uma flora exuberante, ou digamos ainda exuberante, porque, da maneira como hoje a combatemos, em poucos anos já não sobrará muita coisa. Nossa flora é uma das mais ricas do mundo. Temos uma infinidade de plantas e comunidades florísticas preciosas que poderiam ser protegidas ou cultivadas. Há campo para especialistas e para generalistas, para os que gostam de dedicar-se a um só grupo de plantas, como para os que preferem ambientes complexos Para os primeiros, oferecem-se as orquídeas, cactáceas, bromeliáceas, suculentas ou samambaias, musgos, aráceas, aquáticas ou carnívoras e muitas, muitas outras. Para quem gosta de ambientes harmônicos, os nossos ecossistemas naturais oferecem exemplos de formas e combinações as mais diversas.


O que nos falta é a mentalidade para ver a beleza de nosso inundo. Somos cegos diante da Natureza.

Se o homem industrial moderno está, em geral, alienado da Natureza, entre nós essa alienação atinge seu clímax. Predomina entre nós o esquema mental do caboclo que, quando lhe perguntei pelo nome popular de uma determinada planta silvestre, me olhou surpreso e respondeu: "Mas isto não é planta. Isto é mato!" Usava a palavra "mato" com entonação profundamente depreciativa. Quis saber então sua definição de "planta" e de "mato”. Deu-se um olhar ainda mais incrédulo e condescendente e explicou-me que "mato" era tudo aquilo que vingava sozinho, que não prestava, que devia ser exterminado e que "planta" era o que se cultivava, o que tinha valor, que dava dinheiro. Quando me afastei, tive a impressão que ele me considerava um pobre louco por não saber fazer distinções tão evidentes.


Quem tem este esquema mental, naturalmente, nunca saberá fazer um jardim realmente interessante, nem terá vontade para tanto. Fará, quando muito, um jardim convencional, do tipo que predomina entre nós, com canteiros geométricos, de preferência rodeados de concreto e com plantas desfiguradas pela tosa ou poda mutiladora. Quando enxergar uma árvore velha coberta de belíssimas epífitas, só pensará em como limpá-la de suas "parasitas". Nos loteamentos preparará o terreno pela terraplenagem violenta, arrasando tudo o que é natural para então construir as casas em uma paisagem lunar, onde, para fazer um jardim todo artificial, terá que trazer terra vegetal de outro lugar, causando assim mais uma depredação no mato natural em que obtém essa terra.


Rincão Gaia. Foto: Elenita Malta

Só saberá fazer um jardim que lhe proporcione realmente satisfação e serenidade. aquele que aprende a amar de fato a Natureza, porque este se dedicará, pessoalmente a suas plantas. Nunca entregará seu jardim aos que vêm com tesoura de podar e serrote o que se dizem jardineiros, mas que são apenas massacradores de plantas. Só quem faz de seu jardim um hobby poderá dele tirar prazer compensador.


Hoje já não é necessário ser naturalista para ver que nossas cidades são excrescências monstruosas. Todos começamos a sentir que o que chamamos "progresso" é uma corrida grotesca que nos torna cada dia mais neuróticos o desequilibrados.

Necessitamos de compensações. Para nossa saúde física e mental necessitamos, de uma forma ou de outra, reatar o contato com a Natureza. Um dos passatempos mais saudáveis, agradáveis, cativantes e satisfatórios é a jardinagem, mesmo quando praticada em escala mínima. Ela restabelece um certo elo entre o homem e a Natureza, nos abre os olhos para seus mistérios. Tivéssemos mais jardins, públicos e privados, seria mais amena e menos embrutecedora a vida em nossa cidade.


Porto Alegre é extremamente pobre em jardins, especialmente em jardins públicos. Vinte anos atrás tínhamos ainda alguns jardins e praças realmente aprazíveis. Hoje os últimos jardins públicos de valor estão desaparecendo. A fúria imobiliária arrasa tudo. Até o do Solar dos Câmara, um jardim precioso, pretendiam aniquilar para uma ampliação da Assembleia do Estado. Mesmo onde haveria chance para fazer algo de belo, aproveitando o que já existe, como no caso daquela espetacular alameda de velhas paineiras na antiga Vila dos Marítimos, em vez de harmonizar a arquitetura com o ambiente, mantendo o que levou militas décadas para crescer, procura-se, com o machado e o buldozer, ajustar o ambiente à arquitetura puramente utilitária. As praças que eram belas são transformadas em desertos de concreto. Por causa de algumas folhas que came sobre o carro estacionado se mutila uma árvore centenária, como foi feito no pátio do Arquivo Público.


O talude do Morro Ricaldone, único espaço verde do Bairro Floresta, de onde se vislumbra um dos mais belos panoramas de Porto Alegre, talude este oriundo de uma velha saibreira, mas que já tinha sido conquistado pela vegetação pioneira que o estava transformando num ambiente de rara beleza, foi agora violentamente depredado pelo machado, pelo fogo e pela terraplenagem para a construção ali de um conjunto de edifícios de 11 andares. Tão embrutecidos estamos que só enxergamos o dinheiro e absolutamente nada mais.


Não temos a mínima sensibilidade nem reverência pelas cousas da Natureza. Já houve entro nós os que ofereceram "concreto verde" para os que reclamavam mais verde. As nossas árvores urbanas estão todas em estado deplorável pela absurda moda das mutilações periódicas, praticadas pelas próprias autoridades. Num ambiente como esse, é difícil que floresça uma cultura jardinística como a que podemos observar em muitos países europeus. Mas nunca é tarde para começar.


Publicado em Correio do Povo, Porto Alegre, 06/05/1973 (APJL).



Texto transcrito do original no APJL e postado por Débora Nunes de Sá..


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