A floresta tropical produz exatamente a quantidade de oxigênio que consome, como faz um verdadeiro ecossistema em equilíbrio final, no clímax. Se ela desaparecesse, não faria muita diferença na quantidade de oxigênio na atmosfera, mas se a floresta tropical desaparecesse faria uma diferença enorme no clima mundial.
José Lutzenberger (Bergen, evento preparatório à Rio-92, 1991)
O Brasil está honrado em ser convidado para participar da Conferência de Bergen, um evento importante para todos nós.
A respeito do principal assunto dessa Conferência, isto é, o aquecimento global pelas emissões de gases de efeito estufa como o dióxido de carbono, metano, CFCs e outros, eu gostaria de adicionar uma outra incerteza: a floresta tropical. Ela foi mencionada apenas de passagem e em um contexto que não acho realmente importante – foi mencionada como uma fonte de oxigênio para a atmosfera. A floresta tropical produz exatamente a quantidade de oxigênio que consome, como faz um verdadeiro ecossistema em equilíbrio final, no clímax. Se ela desaparecesse, não faria muita diferença na quantidade de oxigênio na atmosfera, mas se a floresta tropical desaparecesse faria uma diferença enorme no clima mundial.
Sabemos hoje de estudos que foram realizados no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que a floresta tropical tem uma fantástica evapotranspiração. Cerca de 75% da chuva que cai é colocada novamente na atmosfera dentro das primeiras 48 horas ou menos criando novas chuvas. A caminho do Atlântico, a água que é trazida pelos ventos alísios e cai no leste da Amazônia, nas regiões da foz do rio, é reciclada entre 5 e 7 vezes do Atlântico até os Andes. Vocês sabem que na condensação e evaporação enormes quantidades de energia estão envolvidas. A sucessão de condensação e evaporação significa um fantástico transporte de energia ao longo do Equador. O Professor Salati, da Universidade de Piracicaba, em São Paulo, calculou que esse transporte de energia é o equivalente a algo como 6 milhões de bombas atômicas do tamanho de Hiroshima, por dia. E para onde vai toda essa energia? Bom, se eu fosse escandinavo, da Europa central, soviético, eu ficaria bastante assustado com o que está acontecendo na Amazônia hoje. O seu clima aqui depende fundamentalmente da floresta tropical. Hoje, quando olhamos para o planeta como um todo nas imagens de satélite, vemos o movimento das massas de ar sobre a Amazônia, as nuvens dissolvendo-se e reformando-se. Vemos como essas massas de ar, quando atingem os Andes, essa fantástica cadeia de montanhas, divide-se em três partes: uma pequena parte que pula sobre os Andes para o pacifico e duas outras metades que vão para o Sul e para o Norte. Uma metade vai para o Sul, varre toda a América do Sul até onde eu vivo, no sul do Brasil, e então desce para a Patagônia.
Então o clima no sul da América do Sul é muito dependente da floresta tropical, e nós no Brasil queremos transformar o “cerrado” – a nossa savana – no celeiro do planeta. A outra metade vai para o norte e mais ou menos segue a Corrente do Golfo. Ela lambe, por assim dizer, a costa oriental da América do Norte e então vai para a Europa central e norte. Então se esse lugar tem um clima relativamente agradável – é claro que vocês têm um inverno bastante rigoroso, mas é relativamente ameno – e na mesma latitude, do outro lado do Atlântico, no Labrador, você tem o país esquimó, isso é por conta dessas duas correntes: a Corrente do Golfo e as massas de ar emanando da Amazônia.
Bom, ultimamente, tem havido agressões tremendas nessa grande floresta, talvez cerca de 10 a 15% já tenha sido destruída. E se a destruição continuar no ritmo atual – felizmente, ele tem decaído bastante ultimamente – a floresta pode mesmo colapsar antes que mais de 30% dela seja destruída porque, se você para essa recirculação no seu início, imagine o que aconteceria com a cadeia. É uma pena que não posso entrar em mais detalhes agora. Mas se a floresta tropical é destruída ou colapsar, podemos muito bem não ter um planeta mais quente; poderíamos entrar numa era do gelo aqui no Norte e isso é infinitamente pior que um planeta mais quente. Isso seria o fim da Europa, da União Soviética e talvez do Canadá. Quando lidamos com sistemas complexos como um organismo animal ou algo tão complicado quanto o clima mundial, não acho que podemos fazer extrapolações lineares nem mesmo exponenciais. Sistemas complexos como sistemas vivos ou o sistema de clima mundial não reagem dessa forma. Eles aguentam uma quantidade terrível de abuso, de desgaste, de agressão, até um certo ponto! E então eles colapsam.
Talvez possamos usar uma imagem bastante simples, uma metáfora bem rude. Suponham que eu sou um pequeno anão que não consegue ver o todo e que eu continue forçando e forçando. (Ele lentamente empurra um livro sobre a borda da mesa). Nada acontece e as experiências passadas me dizem que eu posso continuar empurrando. De repente ele tomba. Quando isso acontece, não adianta ficar mais sábio. Temo que estamos bem próximos desse ponto. Talvez, ao invés de dizer que precisamos de mais informação – felizmente a maioria de vocês aqui diz que temos informações suficientes para agir agora – devíamos guiar-nos por um princípio básico, um dos princípios mais básicos, da sabedoria. Hoje temos uma enorme quantidade de conhecimento mas pouquíssima sabedoria – na verdade a nossa civilização atual, a sociedade moderna industrial, especialmente em sua mais recente consequência, a sociedade de consumo, é uma civilização extremamente burra. Sim, estamos andando de olhos abertos para o precipício. Eu diria que um dos mais importantes princípios da sabedoria é: quando nos deparamos com a realização de um experimento, onde sabemos antecipadamente que, se der errado, o resultado é inaceitável e irreversível, então é melhor nos abstermos desse experimento.
No Brasil, temos agora um novo administrador. Temos um novo Presidente, um Presidente jovem, Sr. Collor, o primeiro Presidente eleito pelas pessoas após quase três décadas. O Presidente Collor quer tornar o Brasil um país sério. Ele está profundamente preocupado com essas questões. É por isso que ele me escolheu como seu Secretário do Meio Ambiente. E ele quer preservar a Amazônia. Ele quer salva-la. E precisamos da ajuda de todo o planeta para isso. Já tomamos ações muito positivas. Primeiro, os subsídios e paraísos fiscais que estavam na base da maior parte da devastação, como por exemplo os subsídios para grandes fazendas de gado, foram abolidos. Agora mesmo estamos retirando os garimpeiros da nação Yanomami; em torno de 30% deles já foram retirados e esperamos que dentro dos próximos três ou quatro meses teremos terminado o trabalho. Não continuaremos, pelo menos nas atuais circunstâncias, a BR 364 do Acre até um porto no Pacífico. Isso abriria a Amazônia para os interesses madeireiros da Ásia, e toda nova rodovia que entra na floresta automaticamente abre-a para devastação. Iremos agora, na próxima estação seca, duplicar ou triplicar nossos esforços para combater as queimadas. As Forças Armadas Brasileiras prometeram seu total apoio ao nosso trabalho. Acabamos de começar uma nova pesquisa de todas as informações que temos da Amazônia e então faremos um novo zoneamento e decidiremos que tipo de desenvolvimento é possível ou não é possível. Há muito que podemos fazer mas muito que não devemos fazer.
Eu faço um apelo agora para os países escandinavos, para o Canadá, para a União Soviética e para os Estados Unidos, onde hoje algumas das últimas florestas virgens temperadas e árticas restantes estão sendo cortadas. Por favor, parem.
Existe outra ação muito importante que devemos iniciar o mais cedo possível e onde nós podemos querer cooperação internacional. Hoje, nas florestas tropicais, eu calculo que temos algo como meio milhão de quilômetros quadrados – duas vezes o tamanho do Reino Unido ou da Alemanha Ocidental – de floresta que já foi derrubada. A maior parte dessa terra está abandonada porque na floresta tropical, como vocês sabem, os solos não são apenas muito pobres em nutrientes mas também muito pobres na capacidade de reter nutrientes. A agroquímica moderna não funciona. Mas temos centenas de milhares de pessoas estabelecidas nessas áreas já desmatadas e a maioria delas, por conta do solo pobre, são incapazes de sobreviver, exceto cortando ainda mais floresta todos os anos. Um pequeno fazendeiro consegue uma ou duas colheitas razoavelmente aceitáveis da sua clareira e então ele precisa cortar mais floresta. Então devemos criar um programa para ajudar essas pessoas a recuperarem a fertilidade natural dos solos nos quais estão estabelecidos.
Eu acho que isso aplica-se para outros países que também têm florestas tropicais, não só para nós no Brasil. Devemos ajudá-los a aprender os métodos da agricultura regenerativa, isso é, manejo orgânico do solo, rotação de colheitas, o uso máximo de plantas leguminosas, plantio associado, além disso uma agricultura que é composto majoritariamente por árvores e arbustos, isso é, permacultura. Além disso o reflorestamento, parte dele apenas permitindo que a floresta cresça novamente, mas podemos até mesmo fazer florestas comerciais de árvores de rápido crescimento. Mas não basta fazer isso na Amazônia. Devemos fazer isso em todo o Brasil.
Muitas das pessoas que estão agora devastando a floresta tropical não estão lá porque escolheram ir para lá – um dos trabalhos mais difíceis do mundo é cortar a floresta tropical – eles estão lá porque foram marginalizados, eles foram desenraizados em outras partes do país. Então devemos na verdade iniciar uma nova política agrícola.
Essa é a intenção do nosso governo. Fico feliz em ver que aqui nessa região existe um bom entendimento dessa necessidade – a necessidade de buscar formas de agricultura mais saudáveis, sustentáveis e ecológicas. O tipo de agricultura que hoje predomina na Comunidade Econômica Europeia, em países como os EUA e até mesmo nas partes mais desenvolvidas do meu país não tem futuro. Por todo o mundo devemos agora promover uma forma de agricultura mais saudável e ecologicamente sustentável e eu estou muito feliz que que nos EUA a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos recentemente saiu com um documento que eu considero monumental na agricultura orgânica.
Mas devemos repensar não apenas a agricultura. Devemos reexaminar nosso pensamento econômico. Nossos atuais modelos econômicos no Ocidente não são sustentáveis. É muitas vezes suposto que precisamos apenas de remendos técnicos como controlar a poluição, menos devastação e assim por diante, mas que temos que continuar desenvolvendo. Até mesmo países, como a Alemanha Ocidental ou a Holanda, onde entre 10 a 15% do território nacional já está pavimentado ou com construções ainda querem crescer. O crescimento sustentável é uma contradição em termos. É impossível. É a lógica da bola de neve. Eu não posso parar a bola de neve dando mais neve e mais inclinação. Isso vai apenas agravar a avalanche final.
Mas desenvolvimento sustentável, se definirmos em termos diferentes dos que temos hoje, é possível.
Na verdade a vida nesse planeta, que se estruturou a alguns 3,5 bilhões de anos atrás, ainda está aqui. Por que? Porque ela sempre se desenvolveu e não cresceu, de tal modo a tornar-se mais complexa, mais autorregulada, mais variada, mas inter-reagente, mais recicladora. Foi um desenvolvimento qualitativo, não quantitativo. Se conseguirmos aprender a colocar nossa econômica nesse tipo de comportamento, se podemos aprender com as leis da vida – hoje, a maior parte do pensamento econômico é totalmente divorciado das leis da vida e frequentemente vai contra as leis da vida – então, talvez, tenhamos um futuro.
Então eu faço um apelo para o chamado Primeiro Mundo: se queremos mudar o mundo, se queremos dar um futuro à nossas crianças, precisamos de uma crítica política da tecnologia. Não é tanto uma questão de dar dinheiro para o chamado mundo subdesenvolvido – muito do que é chamado de subdesenvolvido hoje é na verdade muito bonito. É frequentemente uma questão de definição. É claro que temos uma tremenda pobreza em nossas grandes cidades e no campo, mas isso é consequência exatamente desse tipo de desenvolvimento que temos. A maior parte da tecnologia que nos é apresentada hoje, que é promovida e imposta a nós, é tecnologia concebida pelos poderosos para seus interesses, é tecnologia dura, não é uma tecnologia concebida para satisfazer as reais necessidades humanas. Então se é para o mundo mudar para melhor, se aquelas crianças lá fora instando-nos a tomar decisões agora, se é para terem um futuro, devemos primeiro repensar o que está acontecendo no Primeiro Mundo. Porque o que está acontecendo no Terceiro Mundo é apenas uma consequência do que está acontecendo aqui. Se estamos destruindo a Floresta Amazônica no Brasil, se estamos destruindo montanhas inteiras para exportar minério de ferro e alumínio para o Japão e para a Europa, isso é por que vocês criaram esses mercados, com seus modos absurdos de desperdiçar recursos.
Precisamos de uma perestroika no capitalismo também. Muito Obrigado.
* Tradução e Transcrição da declaração de José Lutzenberger. Secretário do Meio Ambiente do Brasil. “Action for a Common Future”. Sessão Ministerial. Bergen, 14-16 de maio de 1991.., reprodução do APJL.
Texto traduzido e transcrito por Sara Rocha Fritz.
Postado por Débora Nunes de Sá.
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